O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem na pauta desta quarta-feira (26) um importante tema tributário: a incidência de IRPJ e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS. Em um debate que margeia o arcabouço fiscal elaborado pelo governo, os ministros da 1ª Seção decidirão se o precedente por meio do qual foi considerado que os créditos presumidos de ICMS não podem ser tributados pode ser estendido a outros benefícios, como isenção, redução de alíquota e diferimento.
O julgamento ocorre em meio a um clima de confiança, por parte do Executivo, de vitória da tese mais favorável ao fisco. Na última segunda-feira (24) o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou a se reunir com o relator do assunto no STJ, ministro Benedito Gonçalves.
A 1ª Seção analisará dois repetitivos sobre o tema: REsps 1945110/RS e 1987158/SC (Tema 1182). A decisão tomada pelos ministros deverá ser seguida pelas demais instâncias do Judiciário e pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em temas idênticos.
O julgamento desta quarta-feira fará referência a outro, ocorrido em 2017. Por meio do EREsp 1517492, a 1ª Seção considerou que os créditos presumidos de ICMS não entram na base do IRPJ e da CSLL. Entre outros pontos, os ministros entenderam que a cobrança dos tributos federais feriria o pacto federativo, já que, na prática, a União estaria tributando um benefício concedido regularmente pelos estados.
Para a ministra Regina Helena Costa, que redigiu o acórdão vencedor, a tributação pelo IRPJ e pela CSLL geraria um “esvaziamento ou redução” do incentivo concedido pelos estados.
Por meio dos REsps 1945110 e 1987158, o STJ decidirá se estende esse precedente aos demais benefícios. O assunto, porém, divide contribuintes e União.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que representa a União em disputas tributárias, defende que, diferentemente dos créditos presumidos, não haveria, no caso dos demais benefícios de ICMS, uma grandeza a ser retirada da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Isso porque, no caso da redução ou isenção, ocorre a diminuição total ou parcial do ICMS devido.
Isenções e reduções, assim, seriam benefícios de natureza negativa, na visão da União. A não tributação pelo IRPJ e pela CSLL geraria um ganho duplo aos contribuintes, que teriam acesso a um benefício estadual e reduziram artificialmente a base de cálculo dos tributos federais.
“Nesses benefícios negativos o que temos é um não pagar tributo, ou um pagar a menos”, define a procuradora-geral-adjunta de Representação Judicial da PGFN, Lana Borges. “Essas vantagens não produzem para o contribuinte um pagamento de tributo, o que produzem é uma vantajosidade”, completa.
Além disso, para a procuradoria, a não tributação prejudicaria os municípios, principalmente os menores, já que o valor arrecadado de IRPJ é dividido com os entes subnacionais. Segundo a PGFN, tramitam mais de 5.000 processos judiciais sobre o tema. A discussão, porém, pode ser maior, já que o número não contempla os contribuintes que discutem o tema na esfera administrativa.
Já os contribuintes defendem que o entendimento sobre créditos presumidos de ICMS pode ser estendido aos demais benefícios. Em ambos os casos, na visão das empresas, a tributação federal significaria uma quebra do pacto federativo.
Para Renata Emery, representante da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), que atua como amicus curiae no processo, a incidência do IRPJ e da CSLL representaria uma “ilegítima interferência” de um ente político, no caso a União, nos demais. “É como se a União estivesse se apropriando da renúncia fiscal dos estados”, defende a sócia do TozziniFreire Advogados.
Já para Bruno Teixeira, também sócio do TozziniFreire e representante da Abia, a tributação prejudica, além dos contribuintes, os estados, pois torna os benefícios fiscais menos atrativos. “Os estados da federação devem se atentar a essa questão. A União realmente está entrando em uma seara que constitucionalmente não lhe pertence”, diz.
Jurisprudência dividida
O STJ já analisou o tema da tributação de benefícios fiscais de ICMS anteriormente, com resultados favoráveis aos contribuintes. Porém, os argumentos utilizados pelos ministros variam, e, a depender da tese firmada pela 1ª Seção, o entendimento pode não ser tão satisfatório às empresas.
Há precedentes que consideram que o entendimento sobre créditos presumidos de ICMS pode ser estendido a outros benefícios. É o caso dos REsps 1975874 e 1222547, analisados pela 1ª Turma.
No último caso, por exemplo, foi considerado por unanimidade que “a tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.” A relatoria era da ministra Regina Helena Costa.
Há ainda decisões que consideram que os créditos presumidos são distintos dos demais benefícios. Não seria possível, porém, a tributação, já que a Lei Complementar 160/2017 equipara todos os benefícios fiscais a subvenções para investimento, que não estão sujeitas ao IRPJ e à CSLL.
Entre outros casos, esse entendimento consta nos REsps 1968755 e 2009545. No primeiro processo, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, por exemplo, foi considerado por unanimidade que a não tributação depende do cumprimento dos requisitos trazidos nos artigos 10 da LC 160 e 30 da Lei 12.973/14. Os dispositivos preveem a forma de registro dos incentivos fiscais pelos estados e condicionam a não tributação dos benefícios à reserva de lucros pelas empresas.
“Em suma, ao crédito presumido de ICMS se aplica o disposto nos EREsp. n. 1.517.492/PR. Já aos demais benefícios fiscais de ICMS se aplica o disposto no art. 10, da Lei Complementar 160/2017 e no art. 30, da Lei 12.973/2014”, definiu o ministro Campbell Marques.
Em um cenário em que o governo pretende voltar a tributar parte dos benefícios de ICMS, revertendo os efeitos da LC 160, a fixação de uma tese com base nesta segunda linha de entendimento, mesmo que favorável aos contribuintes, pode não ser tão benéfica às empresas no médio prazo. A decisão deixaria o caminho mais livre para o Executivo mudar o cenário de tributação por meio de uma Medida Provisória (MP) ou um projeto de lei.
Por outro lado, a decisão mais “ampla”, com base no pacto federativo, traria maior complexidade à situação, já que não seria possível saber como uma nova legislação se relacionaria com a decisão do STJ. Tributaristas defendem que mesmo com uma mudança legislativa, neste caso não seria possível à União voltar a cobrar os tributos sobre os benefícios fiscais de ICMS.
Em relação aos repetitivos pautados para esta quarta-feira, muito mais do que a decisão em si, importa saber a tese a ser definida pelos ministros. Só isso poderá demonstrar a extensão do entendimento a ser tomado pelo STJ.