Defesa de ex-presidente nega qualquer irregularidade e diz que não houve tentativa de se apropriar de itens luxuosos
A Polícia Federal encontrou “indícios concretos” do envolvimento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na tentativa de reaver as joias da Arábia Saudita. O presente, avaliado em R$ 16,5 milhões, foi retido pela alfândega da Receita Federal no aeroporto de Guarulhos, em outubro de 2021, após um membro da comitiva do ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque entrar no país sem declarar os itens luxuosos. A defesa de Bolsonaro nega qualquer irregularidade e diz que o ex-presidente nunca “pretendeu locupletar-se ou ter para si bens que pudessem, de qualquer forma, serem havidos como públicos”.
Entre os indícios apontados pela PF está um ofício assinado pelo ajudante de ordens de Bolsonaro, o então coronel Mauro Cid, solicitando ao secretário da Receita Federal “autorização para retirada por um representante das joias apreendidas”. “A viagem desse representante, segundo o portal da transparência, foi para ‘atender demandas do Senhor Presidente da República’”, escreveu o delegado Adalto Ismael Machado ao conceder cópia do inquérito à defesa de Bolsonaro. O ex-presidente deverá prestar depoimento no dia 5 de abril.
No documento citado pela PF, Mauro Cid solicita no dia 28 de dezembro de 2022 ao então secretário especial da Receita, Julio César Vieira Gomes, que entregue os itens dados pela Arábia Saudita a um representante da Presidência da República, Jairo Moreira da Silva, que iria de Brasília a São Paulo para buscá-los.
O representante da Presidência de fato viajou a Guarulhos em um voo da FAB em 29 de dezembro, a dois dias de Bolsonaro deixar o cargo, mas um servidor da Receita se recusou a entregar a ele as joias retidas. Para a liberação, segundo as normas do Fisco, era preciso pagar tributos e multa ou comprovar que os bens eram do acervo público da União.
A PF instaurou um inquérito em 6 de março após o jornal O Estado de S. Paulo revelar que uma comitiva do governo tentou trazer ao Brasil, de forma irregular, um conjunto de joias composto por um colar, um par de brincos, anel e relógio da marca Chopard. Os itens foram dados como presentes pelo governo da Arábia Saudita para o presidente Jair Bolsonaro e foram retidos pela Receita Federal.
Antes de deixar o poder, Bolsonaro incorporou ao seu acervo pessoal um segundo pacote de joias composto por relógio caneta, anel abotoaduras e um masbaha. O presente também foi trazido ao Brasil pela comitiva liderada pelo ex-ministro Bento Albuquerque – e não foi declarado à Receita. Após analisar o caso, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a devolução tanto desse pacote quanto do outro avaliado em R$ 16,5 milhões, pois não poderiam se considerados itens personalíssimos devido ao alto valor.
Nesta semana, o jornal O Estado de S. Paulo revelou a existência de um relógio da marca Rolex, de ouro branco, cravejado de diamantes, ofertado pelos sauditas a Bolsonaro durante uma viagem oficial a Doha, no Catar, e em Riade, na Arábia Saudita, entre os dias 28 e 30 de outubro de 2019. Na ocasião, o então presidente participou de um almoço com o rei Salman Bin Abdulaziz Al Saud. No mês seguinte, o Gabinete Adjunto de Documentação Histórica da Presidência incorporou os bens ao acervo privado de Bolsonaro.
Em nota, a defesa de Bolsonaro informou que o terceiro conjunto de joias do regime da Arábia Saudita, avaliado em cerca de R$ 500 mil, está à disposição para “apresentação e depósito” e que os bens foram devidamente registrados, catalogados e incluídos no acervo da Presidência da República conforme legislação em vigor.
Reportagem do GLOBO mostrou que o ex-presidente Jair Bolsonaro listou em seu inventário pessoal outros presentes luxuosos feitos com pedras preciosas e recebidos em viagens oficiais nos Emirados Árabes Unidos e no Catar. Apenas uma dessas peças foi avaliada em quase R$ 100 mil e incorporada ao acervo privado do ex-mandatário.
Em seu giro por países do Golfo Pérsico, em novembro de 2021, Bolsonaro ganhou nos Emirados Árabes um relógio de mesa “confeccionado em prata de lei com banho de ouro, cravejado com diamantes, esmeraldas e rubis” e uma escultura “confeccionada em aço, prata, tendo parte com banho de ouro”, de acordo com a descrição feita pelo seu gabinete. Não há registro da estimativa do valor dessas peças. No Catar, o então presidente recebeu outro relógio de mesa, confeccionado em prata e “tendo partes com banho de ouro”. Esse presente é avaliado em R$ 97 mil, a partir da comparação feita pelo governo com itens semelhantes.