Com 3 votos a 1, TSE adia julgamento sobre inelegibilidade de Bolsonaro para 6ª-feira

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O julgamento da ação de investigação judicial eleitoral (Aije) no Tribunal Superior Eleitoral que trata da reunião que Jair Bolsonaro fez com embaixadores estrangeiros para atacar o sistema eletrônico de votação em 2022 registrou, nesta quinta-feira (29/6), um voto divergente e outros dois a favor da punição do ex-presidente.

Presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a sessão às 13h. O caso será retomado nesta sexta-feira (30/6), a partir das 12h, com o voto da ministra Cármen Lúcia. Além dela, restam votar o ministro Kassio Nunes Marques e o próprio Moraes.

Raul Araújo abriu divergência no TSE ao entender que episódio não teve gravidade suficiente para desequilibrar disputa
Antonio Augusto/Secom/TSE

Até o momento, o placar é de 3 votos a 1 pela procedência da ação. Três ministros entenderam que Bolsonaro praticou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, condutas pela qual deveria ser punido com inelegibilidade de oito anos, conforme a punição do artigo 22 da Lei Complementar 64/1990.

Votou dessa maneira o ministro Benedito Gonçalves, relator da matéria, que foi acompanhado dos ministros Floriano de Azevedo Marques e André Ramos Tavares. A posição adotada por eles exime de punição o candidato a vice de Bolsonaro em 2022, general Walter Braga Netto, porque não há provas de seu envolvimento no episódio.

Apenas o ministro Raul Araújo divergiu, por enquanto. Ele votou por julgar a ação improcedente, por considerar que a conduta de Bolsonaro não teve gravidade suficiente para alterar a normalidade e ameaçar a legitimidade das eleições. Sua análise ainda adotou um cenário mais restritivo de fatos e alegações do que o feito pelo relator.

A reunião que gerou o ajuizamento da ação foi feita em julho de 2022, três meses antes do primeiro turno das eleições. Ao que tudo indica, foi uma resposta a um evento oficial do TSE, que se reuniu com autoridades internacionais para apresentar o sistema de votação. Nela, o então presidente, ministro Edson Fachin, fez um alerta sobre o “vírus da desinformação”.

Em três dias, Bolsonaro movimentou a máquina pública para convidar e reunir quase cem embaixadores de países estrangeiros e autoridades nacionais na residência oficial da Presidência, onde fez uma apresentação com slides colocando em dúvida o sistema eletrônico de votação e a lisura da atuação da Justiça Eleitoral.

Para ministro Floriano de Azevedo Marques, Bolsonaro usou cargo de presidente para criar evento e construir persona de candidato
Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Abrangência da ação
Primeiro a votar nesta quinta-feira, o ministro Raul Araújo inaugurou a divergência em manifestação que começou por reconhecer que, no trâmite da Aije, o TSE ampliou indevidamente os limites da ação ajuizada pelo PDT, especialmente por incluir e considerar elementos posteriores às eleições.

Um desses documentos é a “minuta do golpe” encontrada em janeiro na casa do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres. Raul Araújo explicou que a aije protege bens jurídicos relativos à igualdade entre candidatos e ao livre exercício do voto. Fatos posteriores, portanto, não podem afetar a igualdade entre candidatos de uma eleição que já aconteceu.

Esse ponto motivou uma interrupção do voto pela ministra Cármen Lúcia, para quem o documento foi usado de maneira lateral no voto do relator. “O fato de ter juntado a minuta golpista em nada afetou”, concordou o ministro Alexandre de Moraes. “O voto foi claro: não se está apurando a minuta. Ela é um reflexo dos efeitos do discurso feito na reunião no tocante a inverdades sobre as urnas eletrônicas”, disse o ministro Benedito.

Para o ministro Raul Araújo, houve considerações substanciais não só ao achado da minuta, mas a fatos posteriores usados para caracterizar uma predisposição de atitudes de Bolsonaro em direção à ruptura do processo democrático. “São fartas as referências”, rebateu. “Não há nexo de causalidade entre os fatos”, afirmou.

Sem gravidade
A divergência na questão preliminar é importante porque orientou o voto no mérito. Com o alcance da Aije reduzido às falas de Bolsonaro para os embaixadores, o episódio perdeu um dos requisitos para caracterizar o abuso do poder político, na análise do ministro Raul: a gravidade acentuada.

Ele destacou que nem todo o discurso veicula informações falsas, pois há trechos em que Bolsonaro expõe sua posição política em temas abertos ao diálogo institucional, como as críticas ao voto eletrônico e a Lula, naquela época seu potencial concorrente. “(As falas são) Censuráveis não por seu conteúdo, mas por configurarem propaganda antecipada”, analisou ele.

Ministro André Ramos Tavares concluiu pela ocorrência de grave abuso de poder político por Jair Bolsonaro no caso
Alejandro Zambrana/Secom/TSE

No que restou do discurso, segundo o ministro, não houve gravidade justamente porque o tema foi alvo de representação por propaganda antecipada, em que o próprio TSE restringiu o uso e alcance dos ataques feitos pelo então presidente. Para Raul Araújo, a resposta foi legítima e suficiente ao episódio, o que esvaziou o requisito para julgar a Aije procedente.

Além disso, o público que acompanhou o evento pela TV ou pelas redes sociais apenas recebeu infrmações já reiteradamente apreentadas por Bolsonaro, o que reduz a capacidade de produzir forte e surpreendente impacto danoso.

Ele afirmou ainda que o andamento das eleições de 2022 mostrou que o impacto da fala foi mínimo. Bolsonaro criticou a legitimidade do sistema de votação e desestimulou eleitores, mas mesmo assim o comparecimento foi recorde, com cerca de 123 milhões de pessas, e a abstenção, de 20,9%, ficou dentro da normalidade em relação a eleições anteriores.

Sobre o uso indevido dos meios de comunicação social, a ilicitude foi afastada porque é função da TV Brasil acompanhar a agenda oficial do presidente. Fosse qual fosse o discurso, a empresa transmitiria por função definida em lei. O desvio de finalidade só se configuraria se a empresa soubesse de antemão dos abusos cometidos, o que não se comprovou.

“Embora não se possa negar que as eleições de 2022 experimentaram um conjunto de percalços e dificuldades decorrentes de um contexto de instabilidade oriundo de discursos de conteúdo inverídico — do qual a fala do então presidente é exemplo significativo —, há de se igualmente reconhecer que a Justiça Eleitoral foi capaz de conduzir o pleito de forma orgânica, com ampla e livre participação popular, pronta proclamação do resultado e oportuna diplomação”, avaliou o ministro Raul.

“Em consequência, sendo a gravidade aferível pela vulneração aos bens jurídicos legitimidade e normalidade das eleições, mas sendo estes sujeitos a um juízo de valor de grau, fato é que a intensidade do comportamento concretamente imputado — a reunião de 18/7/2022 e o conteúdo do discurso — não foi tamanha a ponto de justificar a medida extrema da inelegibilidade”, concluiu o magistrado.

Julgamento será retomado nesta sexta-feira com voto da ministra Cármen Lúcia
Alejandro Zambrana/Secom/TSE

Foi grave, sim
Votaram ainda nesta quinta os dois ministros da classe jurista que compõem o tribunal. Floriano de Azevedo Marques afastou a preliminar de ampliação indevida da lide por entender que a Aije é uma ação híbrida, composta de elemento de inquérito, além de opor as partes. Assim, o olhar para a produção probatória nos estritos limites do processo civil é descabido.

E ele ainda acrescentou: “Os graves desafios à ordem democrática que tiveram lugar antes e depois do pleito, embora execráveis, não são necessários para analisar a existência ou não do abuso de poder político. E tampouco são úteis para caracterizar a gravidade ou não desses fatos”.

Seu voto sustentou que o evento não se inseriu nas atividades diplomáticas brasileiras e que a organização não ficou a cargo dos órgãos competentes, nem foi feito no local adequado — foi sediado na residência oficial da Presidência, o Palácio da Alvorada. Além disso, o discurso de Bolsonaro visou a deslegitimar o sistema eleitoral, desincentivar a participação do eleitor e, assim, obter benefícios.

“O investigado usou de suas competências de chefe de Estado para criar uma aparente reunião com o objetivo de responder ao TSE e construir sua persona de candidato, servindo-se dos meios e instrumentos para alcançar seu real destinatário: o eleitor já cativado ou o eleitor ainda a conquistar”, analisou ele.

O voto do ministro Andre Ramos Tavares seguiu a mesma linha ao apontar que Bolsonaro criou um evento com mera roupagem diplomática para difundir conteúdo falso e pernicioso com intenções eleitorais.

“É inviável à Justiça Eleitoral ignorar fatos notórios afim de converter a realidade conhecida em uma versão forjada em fabricada em cima de omissões e desconhecimentos desses fatos”, disse ele ao criticar tentativas de isolar artificialmente as frases de Bolsonaro, emitidas em um contexto maior de intenção eleitoral e ataques antidemocráticos.

Aije 0600814-85.2022.6.00.0000

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